Vieiros

Vieiros de meu Perfil


Carlos Taibo

A entrevista de Savater

13:33 03/10/2007

Tenho nas minhas mâos a entrevista que El País dedicou uns dias atrás a Fernando Savater, o mais conhecido dos promotores do novo partido que leva por nome "Unión, Progreso y Democracia". Não quero ignorar que as entrevistas em geral, e as dos jornais em particular, configuram uma fonte delicada, a miúdo equívoca, de informação. Mesmo assim, e como quer que não parece que Savater desmentisse nenhuma das suas opiniões tal e como se revelam nas páginas de El País, o razoável e dar por confirmado que reflectem a sua visão sobre questôes interessantes.

Limitarei-me a chamar a atenção sobre duas delas. A primeira, e sem dúvida a mais ilustrativa, refire-se aos problemas de igualdade, ou de desigualdade, que, aos olhos de Savater, se manifestam hoje em Espanha. Significativo parece que para o filósofo reconvertido em dirigente político esses problemas se reduzam a um: uma distribuição de recursos entre o Estado central e as autonomias que, para a cabeça pensante de "Unión, Progreso e Democracia", benefícia imoralmente àquelas dentre estas que estão dirigidas, total ou parcialmente, por forças nacionalistas.    

Esquecerei agora que o debate correspondente apresenta muitas faces que obrigam a não aceitar sem mais semelhante conclusão, como esquecerei que ao meu entender sobram os motivos para concluir que as comunidades autónomas ‘não nacionalistas’ jogam tambén as suas cartas nas liortas que nos ocupam. Ao cabo tem muita maior importância outro facto: quando um afirma que a questão territorial é a fonte principal, por não dizer a única, de desigualdade, está a esquecer dramaticamente datos decisivos, como os vinculados com a condição dum lugar que vive desde há tempo uma autêntica idade de ouro dos benefícios empresariais acompanhada de niveis de exploração inauditos e duma transferência formidável de recursos --via alugueres e empréstimos hipotecários-- das camadas baixas e meias da população em proveito das melhor situadas. Curioso silêncio este numa análise, a de Savater, que mal que bem quer se situar na esquerda. Ainda que, se quadra, e conforme ao visto, a Savater não lhe falta alguma razão --só alguma-- quando afirma que os nacionalismos não podem ser de esquerdas: seica o seu --um nacionalismo espanhol cada vez mais esencialista, mesmo que se apresente como democrático e constitucionalista-- não é, obviamente, de esquerdas...

Retóricas ocasionais

Procuro a segunda matéria de interesse: o retrato que Savater formula das ofertas políticas dos partidos socialista e popular. Prestarei-lhe pouca atenção ao facto de que a única crítica dirigida ao PSOE é a que salienta o conteúdo da sua política territorial e da sua conivência com os nacionalismos da periferia. Mais grave é, porém, que a única reprobação que o filósofo dirige ao PP é a que se refire às suas atitudes integristas no que diz respeito à educação e às costumes. Será que Savater não albisca problema maior no neoliberalismo exultante tantas vezes defendido pelos populares ou numa política exterior de franca docilidade com os Estados Unidos e de orgulhosa ratificação da preeminência das potências ocidentais?

Os silêncios, bem significativos, de Savater no que se refire a questôes importantíssimas encontram, claro, uma explicação fácil: se deixamos de lado retóricas ocasionais, a "Unión, Progreso y Democracia" só lhe preocupa a confrontação nacional do momento presente, até o ponto de que é legítimo sublinhar que tudo o demais é um agregado menor. Parece difícil que com estes vímbios o partido de Savater conquiste a esses abstencionistas progressistas que são os receptores esperáveis das suas mensagens.

4,71/5 (42 votos)


Sen comentarios

Novo comentario

É preciso que te rexistres para poder participar en Vieiros. Desde a páxina de entrada podes crear o teu Vieiros.

Se xa tes o teu nome en Vieiros, podes acceder dende aquí:



Carlos taibo

É profesor titular de Ciencia Política e da Administración na Universidade Autónoma de Madrid, onde tamén dirixe o programa de estudios rusos. As súas áreas de especialización son transicións á democracia, Unión Soviética, Rusia e Iugoslavia. »



Anteriores...